terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

É PRECISO OUVIR AS FORMIGAS


Uma praça vazia. Um enorme quadrado de concreto. Ao lado, outro. Outro do outro lado também. E acima, e abaixo, assim sucessivamente. Entre as placas (que já esboçam suas rugas, sinal do tempo) a grama desponta, errática, alheia a qualquer regulamento. A câmera registra. Eterniza o instante. A dona da câmera encosta o ouvido no chão. Sente o mundo respirar. Ouve um batimento cardíaco e não consegue distinguir: “Será que é o meu?”. Um pingo d’água não erra a mira, acerta em cheio suas costas, alvo fácil estendido no piso do mundo. “É o primeiro, é um aviso”, ela pensa. Mais um. E o terceiro. Ela perde a conta. Vira o corpo e olha o céu. Abre a boca e mata a sede. (Precisa fechar rápido, para não engasgar). Passa o tempo, mas ela não sabe quanto. Está ali no chão, estirada. As placas de concreto sustentam seu corpo. Um séquito de formigas. Não, uma multidão. Andam de cá para lá, por todos os lados, pelas placas de concreto. Algumas enveredam pela grama e somem. Outras reaparecem, brotam do chão. Ela pega a câmera e se prepara. Ajoelha-se. Deita-se de lado, a orelha direita novamente encostada no chão, ouvindo tudo. Duas formigas desprendem-se do todo. Parecem buscar privacidade. Ela clica. Elas param. De frente uma para a outra, começam o que parece um diálogo absurdo. Novo clique. Nova pausa. Então ela escuta: “Meu amor, meu amor, não vá. Eu preciso tanto de você”.


(foto: Anna Hillman)

2 comentários:

Marcelo Arruda disse...

Fala aí Paulinho!!
Parabéns pelo blog!
Começou bem, e tenho certeza que assim prosseguirá...
Um grande abraço,
Arruda
PS - Desculpe pelo "Paulinho", mas é assim que eu te (re)conheço...

Paulo Cunha disse...

Fala, meu caro, tudo bem? Por onde andas? Continua morando na João Moura? Precisamos tomar umas qualquer dia desses. Um abração.