quarta-feira, 29 de abril de 2009

CARÍCIAS


Entramos na reta final. Mais uma semana de ensaios praticamente todos os dias, incluindo o feriado. É aquela fase do frio na barriga, às vésperas de estrear. Estou falando de "Carícias", peça que estamos ensaiando há três meses e que entra em cartaz na próxima quinta, dia 07 de maio. O texto é do espanhol Sergi Belbel, um dos maiores dramaturgos contemporâneos. A direção é do Roberto Alvim e a preparação de atores, da Juliana Galdino. Os dois comandam o Club Noir, que coordena o projeto e sedia a peça. O Club Noir é um teatro relativamente novo (foi fundado em 2006, pelos dois) e representa hoje, seguramente, um dos principais centros de experimentação e produção teatral do país. O Roberto é um dos diretores mais antenados com o teatro (de qualidade) que se faz lá fora. Tanto que "Carícias" terá uma concepção muito próxima do teatro novaiorquino de vanguarda. Não quero falar muito da peça para não estragar a surpresa, o impacto. (Garanto que haverá um impacto.) Só vou dizer que se trata de relações humanas - ou da precariedade delas. Dito isso, tem a ver com todos nós. Ficaremos dois meses em cartaz. Registro aqui o prazer e a honra de participar de um elenco (somos onze) tão comprometido e talentoso. O flyer de "Carícias" está quase pronto e até o fim desta semana será postado aqui com todas as informações sobre a peça.

E no dia 16, um sábado, tem a leitura da segunda peça de minha autoria, "Sudatorium". É uma primeira versão do texto, que terminei na semana passada. Receber uma leitura logo de cara é interessante, porque dá para ver onde ele funciona e onde não. Diferentemente do texto literário, que se completa na folha de papel, o teatral só se realiza no palco, na interpretação dos atores. Não que ele seja secundário, muito pelo contrário. É que os personagens, na dramaturgia, precisam do ator para lhes dar seguimento. O autor deu-lhes vida, no texto. Mas é uma vida em suspensão. É o ator, por meio da palavra, que arranca o personagem do texto e o atira no palco, dando seguimento a sua "vida". Ainda estou escolhendo os três atores que darão vida a Aldo, Beto e Cláudio, os personagens da minha peça, amigos que falam sobre suas vidas (e, principalmente, sobre a parte delas que não aconteceu) dentro de uma sauna seca. Daí o nome, "sudatorium". Mas ainda é cedo para falar disso. Há tempo ainda.

terça-feira, 28 de abril de 2009

ITAMAR ASSUMPÇÃO

Você vai notar olhando ao redor que eu sou dos males o menor.

segunda-feira, 27 de abril de 2009

CACO DE PAULA

Fazemos o que queremos. Mas será que queremos o que queremos?

domingo, 26 de abril de 2009

FERNANDO PESSOA (QUE EU "ROUBEI" DO GUZIK)

Há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas, que já têm a forma do nosso corpo, e esquecer os nossos caminhos, que nos levam sempre aos mesmos lugares. É o tempo da travessia: e, se não ousarmos fazê-la, teremos ficado, para sempre, à margem de nós mesmos.

sexta-feira, 24 de abril de 2009

TOCANDO AS NUVENS


Sete horas da manhã de 7 de agosto de 1974, uma prosaica quarta-feira. Um homem decide "fazer algo realmente bonito". Enquanto Nova York acordava, o francês Philippe Petit equilibrava-se num cabo de aço, ligado às torres do World Trade Center. Todo vestido de preto, carregava uma vara de contrapeso - e nada mais. Não tinha nenhuma corda amarrada em sua cintura, não havia nenhuma rede de proteção ou coisa parecida para impedir sua queda, nada. Aos olhos de qualquer um, era um passo rumo à morte certa. Anos antes, Petit estava no dentista e, enquanto aguardava sua consulta, folheava uma revista. Ao ver uma foto do projeto das Torres Gêmeas, ficou chapado. Jovem equilibrista autodidata, "sonhava em conquistar nem tanto o universo, mas, como um poeta, os belos palcos", como costumava dizer. E lá estava o WCT, o mais belo entre todos os palcos. O curioso é que ele já tinha um sonho, uma meta, e o objeto desse sonho não havia ainda se materializado. A idéia virou uma obsessão. Enquanto o WCT era construído, Petit começou a praticar intensamente, já simulando a empreitada. Nesse meio tempo, atravessou as torres da catedral de Notre-Dame, em Paris, e a Ponte de Sydney - como treino, um ensaio para o que estava por vir. Nada se comparava à travessia do WCT. Era uma altura de 440 metros, em queda livre. E Petit atravessou. Não uma vez, mas oito - foi e voltou oito vezes. Ficou lá em cima, sozinho, durante 45 minutos. Com exceção dos dois primeiros passos na corda, tensos, esteve todo o tempo com um sorriso no rosto. Era como se experimentasse um transe. Caminhava concentrado, mas com semblante tranqüilo. Às vezes, parava e deitava (!) no cabo. Num momento belíssimo, ajoelhou-se e agradeceu. Embaixo, na rua, as pessoas não acreditavam no que viam. Aplaudiam, gritavam, fotografavam, filmavam e se emocionavam - choravam de verdade. A história toda está no espetacular documentário "O Equilibrista", em cartaz em São Paulo. E, agora, lembrando das cenas do filme, sentado confortavelmente na frente do computador, na segurança (?) do meu quarto, eu penso se ainda é possível tocar as nuvens sem tirar os pés do chão.

segunda-feira, 20 de abril de 2009

MEMÓRIA OLFATIVA

Uma noite dessas, eu estava tomando uma cerveja, sozinho, no bar dos Parlapatões, na Praça Roosevelt, onde as coisas acontecem, e eu aguardava a hora de começar "Filosofia na Alcova", peça que ia assistir no Satyros, logo ao lado, e dei o último gole, fui ao banheiro, esvaziar a bexiga, como sempre faço, vontade que sempre vem antes de começar a sessão de teatro ou de cinema, e nem bem ultrapassei a porta, fui tomado por uma nostalgia como fazia tempo não me ocorria, e, de uma vez, veio a história toda, um turbilhão de lembranças desordenadas, e quem conhece o banheiro do Parlapas sabe que ele costuma ter um aroma cítrico, algo entre o cheiro do limão e da laranja, não é totalmente um, nem totalmente outro, um híbrido dos dois, e foi o bastante para acionar minha memória olfativa, que, devo reconhecer, é bastante desenvolvida, e aquele gostoso odor de frutas me fez voltar exatos dez anos e eu, de repente, me vi no minúsculo banheiro da minha pequena casa japonesa, em Tóquio, e minha ex-mulher era muito caprichosa com a casa, sempre tinha um cheiro novo, alguma essência, um sabonete inédito, uma vela de cheiro, um sachê, e sempre que via, ela comprava alguma coisa diferente, ela adorava comprar, e eu me lembrava da casa, de nós dois, do inverno cinza e da primavera cor-de-rosa, contraste que inspirou minha primeira peça, o mapa do Japão na parede com os lugares que já tínhamos ido e os muitos outros que iríamos conhecer e não conhecemos, marcados com alfinetes coloridos, e nós olhávamos para esses destinos e fazíamos planos, e a geladeira que batia na nossa cintura, que de tão pequena nos obrigava a fazer compras de dois em dois dias, e o fogão de duas bocas em que fritávamos camarões nos domingos, e que pediam um bom vinho branco, mas a gente preferia cerveja escura, e tinha também aquele salmão que ela fazia, que ficava crocante por fora, e molinho por dentro, feito sashimi, e o chão de tatame em que só podíamos pisar descalços, e que era uma delícia de pisar, e, mais do que tudo, a adorável mania que ela tinha de me olhar enquanto eu dormia, e eu acordava e já via aqueles olhos me olhando, e eles sempre brilhavam, mesmo de manhã cedo ao acordar, eram olhos de coelho, e os olhos dela brilhavam ainda mais quando ela sentia aqueles odores todos, porque a casa ficava mais bonita, mais arejada, mais leve, havia um frescor no ar, exatamente aquele cheiro de limão-laranja do banheiro do Parlapas, e eu estava na frente do espelho, lavando as mãos, e vi meu rosto refletido e nele havia uma pergunta incrustada nas minhas rugas, estampada na minha mais recente calva, que finalmente alcançou minha boca e, traduzindo em palavras, me perguntei por que, na época, eu não me importava tanto com esses cheiros e com essas coisas todas.

terça-feira, 7 de abril de 2009

FLUXO DE CONSCIÊNCIA (SARAH KANE'S EXERCISE)

No campo, um homem caminha, solitário. A estrada é deserta. Ou quase. Passa um caminhão. Uma mulher sorri e acena. É bonita. É caminhoneira. Ela oferece carona. O homem aceita. Os dois na cabine do caminhão. Ele, sem destino. Ela ainda não sabe. Conversam sobre coisas comuns, nada de mais. Sobre o tempo. Sobre os tempos. Ele mira as pernas dela, bem torneadas, bronzeadas pelo sol que penetra na cabine. Lindas botas de couro preto, com detalhes prateados. Ela, olhar fixo nos olhos dele. E assim vão embora, conversando, olhando. Ele pensa no mar. O mar é bravo, agitado. Ele pensa, mas tem medo. Tambores na cabeça. Alma agitada. Mundo agitado. De repente, sente uma mão afagar seus cabelos. A mão passeia pelos cachos aloirados. Tem bastante cabelo para um homem da sua idade. Só então abre os olhos. Por um momento, não vê nada. É tudo escuro. O tempo passa mais rapidamente agora. Mais do que antes. Ele considera a possibilidade de ir para o Japão. Tem curiosidade de ver onde o sol se esconde. Logo descarta a ideia. Sonho impossível. Olha a paisagem. Nada tem de oriental. Pertence a algum lugar da América do Sul. O pasto é vasto, gasto. Abasto fica em Buenos Aires ou Santiago? Ele já não vê mais a mulher, nem suas mãos. Mãos que antes afagavam sua vasta (gasta) cabeleira. Está sentado em sua poltrona na sala, em frente à tevê. Nunca saiu de lá. Há cem anos está sentado, na mesma posição, olhos colados na tela. A janela está aberta. Um pouco. Ele se levanta. Começa a dançar com um par imaginário, braços postos no ar. Estaria no céu? Suas bochechas coladas nas dela. Bochechas imaginárias. Ele sorri. Está dançando de rosto colado. Está no céu, não há dúvida. A música fica mais lenta, adquire um tom grave, mais triste. Ele sofre, compasso a compasso. Pega o controle remoto. Passa rapidamente pelos canais. Pela rua passa um bloco de carnaval, tocando uma marchinha. Que dia é hoje? Da semana? Do mês? Que mês é hoje? Que ano é hoje? “Que importa?”, pergunta para si. O samba está no ar, no éter. Ele tenta alguns passos. São equivocados, erráticos. Ele insiste. Tenta. Fracassa. Tenta de novo. Fracassa de novo. Fracassa melhor. Já ouviu isso, não sabe onde. Chega. “Sei o quanto é ridículo”, pensa alto. Sou ridículo. Um homem ridículo, que sonha. “Não vou mais dançar. Nunca mais”. Nem samba, nem rumba, nem mambo, nem tango. Só rock’n’roll. Ou um blues triste. Talvez. Já esteve melhor. Mas também já esteve pior. Bem pior. Olha para a tevê. Vontade de quebrá-la. Nunca mais ver imagens irreais. Olha pela janela. Outra forma de tevê. Imagens reais. Será? Vontade de quebrar a janela. Ou de saltar. Sobe. Escora-se no parapeito. Olha para baixo. Seres minúsculos abaixo de seus pés. Andam de um lado para outro, em frenética correria. Para onde vão? Por que a pressa de chegar? A quem importa? Interessa? Vale a pena pular? Seria um recomeço? Nem tem tempo de hesitar. Fecha os olhos e lança o corpo no ar. Vê a vida passando como um filme, num daqueles clichês batidíssimos. Lembra de coisas antigas, fatos e pessoas. Tudo misturado com o que ainda não aconteceu. “Acho que consegui/ tudo o que sonhei/ E tão bom estar aqui/ Eu sei”, cantarola. Os pés chocam-se com o solo fértil. Já ia esquecendo, mora no térreo. Três pequenos metros, da janela ao chão. Tenta. Fracassa. Tenta de novo. Fracassa de novo. Fracassa melhor. Terá outra chance? Olha para cima e vê a janela. Quer voltar para aquele deserto, aquela estrada, aquela cabine, aquela mulher. Pega o controle remoto e acessa a memória afetiva. Soprano na mente. Violinos, violas e cellos. Está tudo lá. Pano de fundo. À frente está a voz. Voz que não sai da cabeça. Que segue cantando. Ele quer dançar. Não consegue. Os pés estão enterrados no chão. Afundados num enorme formigueiro. Seres minúsculos, ao trabalho! A carne vai sendo consumida. Funde-se ao solo. De onde veio, para onde vai?