sexta-feira, 27 de novembro de 2009

DESTINOS


Amanhã estreia a nova peça que estou fazendo, "Destinos". Realizamos duas apresentações fechadas, no sábado e domingo passados, para um grupo de estudantes de teatro. Foi mais um ensaio aberto, no qual pudemos perceber o que funcionou bem e o que precisava ser corrigido. A partir de agora é para valer, aberto ao público e com divulgação na mídia. A montagem é o resultado de uma oficina do Grupo XIX de Teatro -responsável pelas premiadas "Hysteria", "Hygiene" e "Arrufos". Estamos juntos desde março. Foi quase um ano de um processo muito interessante, conduzido pelo diretor Luiz Fernando Marques, o Lubi. Convivi com uma gente maravilhosa, com quem aprendi bastante. Ainda vou falar mais sobre essa turma, em outro post, mais para frente. Hoje vou contar um pouco sobre a peça, ainda que resumidamente. "Destinos" é um texto escrito por Paulo Emílio Sales Gomes na década de 30. O Brasil vivia um período turbulento, os primeiros anos da ditadura de Getúlio Vargas. Não era fácil ser paulista naquela época - ainda não é, mas isso é outra história. A revolução de 32 havia sido sufocada e os jovens estudantes e operários eram os principais opositores do regime. Pipocavam greves e protestos, que eram rechaçados com violência pela polícia. Intelectuais eram presos e torturados. Paulo Emílio foi um deles. Escreveu e montou a peça na cadeia. Numa cela da prisão especial para presos políticos, localizada onde hoje é a fábrica da Goodyear, na Vila Maria Zélia, zona leste de São Paulo. Trata-se de uma vila operária, fundada em 1917, por Jorge Street, dono da Fábrica de Tecidos de Juta. Ela ficava no entorno da fábrica, uma forma de manter os operários bem próximos aos olhos do patrão. A vila hoje é um oásis de paz e calmaria bem no meio da cidade. As casinhas, apesar de restauradas, mantêm a arquitetura da época. Os moradores são, na maioria, filhos e netos dos operários originais. Há alguns prédios "públicos", como a igreja (que fica em frente à pracinha, logo na entrada da vila), o armazém e o boticário anexo, ambos desativados e que hoje servem de sede do Grupo XIX, e a escola de meninas, local escolhido para ser o cenário da nossa peça. O local é fantástico para uma montagem. Os personagens interagem com as ruínas da velha escola e tudo vira mágica. Somos transportados - atores e público - para aqueles tais dias turbulentos de nosso passado histórico. Em agosto, num ensaio, quebrei o pé exatamente num canto dessa escola. Sempre que passo pelo local, olho bem e penso: "Foi aqui". Mas disse que ia falar sobre a peça. Carlos e Álvaro são dois jovens estudantes, da classe alta paulista, filhos de um fazendeiro do café. Carlos (meu personagem) é um idealista, revolucionário, que se põe na luta ao lado do povo. Álvaro gasta sua mocidade e o dinheiro do pai na farra, ao lado de gente com pouca credibilidade, como se dizia na época. São esses dois destinos, absolutamente opostos, o mote da peça, ao qual se agregam outros personagens interessantes como um cafetão, um operário amigo com sotaque da Moóca, outros revolucionários, um agiota, etc. Um história de luta, contada de uma forma diferente (méritos para o nosso diretor, o Lubi), e que reserva algumas surpresas. Aguardo vocês.

"DESTINOS", de Paulo Emílio Sales Gomes

Direção: Luiz Fernando Marques
Assistente de Direção: Tatiana Rehder
Elenco: Adriano Merlini, Andre Castelani, Carlos Sobrinho, Flavio Drummond, Hélio Tozato, Iury Lupaudi, Luiz Calvo, Paulo Cunha, Renato Nonato, Uanderson Melo, Victor Lucena.

Local: Grupo XIX de Teatro (Vila Maria Zélia)
Sábado e domingo, às 16h. Grátis.
Temporada: 28 de novembro a 13 de dezembro.

Como chegar? www.grupoxixdeteatro.ato.br

quarta-feira, 18 de novembro de 2009

TUDOAOMESMOTEMPOAGORA

Frila da Casa Cor, para a Casa Claudia. Rebarba do frila da Choque Cultural, para a Casa Claudia Luxo. Frila dos Beatles, para o "Na História" da Veja Online. Véspera de estreia de "Destinos", na Vila Maria Zélia, com falas e novas marcações ainda a serem estudadas. A uma semana de outra estreia, de "Os Gigantes da Montanha", no Club Noir - a montagem começou a engatar de verdade agora, faz uns dois ensaios. Continua a pesquisa para a cena de "Antígona" - agora é a hora da gênese (parte importantíssima da construção) do meu personagem, o Corifeu. Preparar duas cenas, uma contemporânea, outra clássica, para o teste do CPT, na próxima terça de manhã. Vou de Nelson Rodrigues + Tragédia Grega. Ensaios diários até o dia do teste. Preparativos para inscrição de "Sudatorium", a minha peça da sauna, na Fringe do Festival de Curitiba. Falta discutir alguns assuntos com o diretor, o meu amigo Edu Brisa, e fechar o elenco. Ah, é claro, sessões diárias de fisioterapia. Meu pé começa a se comportar como antes. Cabe tudo isso em 24 horas diárias?

quinta-feira, 12 de novembro de 2009

SÓFOCLES SABE TUDO

Um pouco mais de "Antígona". As dez melhores pérolas do primoroso texto de Sófocles, na tradução esperta do Millor Fernandes.

1. "Devo respeitar mais os mortos que os vivos, pois é com eles que vou morar mais tempo." (Antígona)

2. "Quero vos prometer (...) jamais colocar o maior interesse do melhor amigo e do mais íntimo parente acima da mais mesquinha necessidade do povo e da pátria." (Creonte)

3. "Quem jamais saberá de que ousadias é capaz a ambição humana?" (Creonte)

4. "Ninguém ama um portador de más notícias." (Guarda)

5. "Os homens não inventaram nada mais nefasto do que o dinheiro." (Creonte)

6. "Dizem que a justiça é lenta, mas não existe nada mais veloz que a injustiça". (Guarda)

7. "Na criação que o cerca [o homem], só dois mistérios terríveis, dois limites. Um, a morte, da qual em vão tenta escapar. Outro, seu próprio irmão e semelhante, o qual não vê e não entende." (Coro)

8. "O povo fala. Por mais que os tiranos apreciem um povo mudo, o povo fala. Aos sussurros, com medo, na semi-escuridão, mas fala." (Antígona)

9. "Uma geração não redime outra geração, e a raça continua olhando no infinito sem avistar jamais o fim de suas desditas." (Coro)

E, por último, a melhor de todas, he he:

10. "Não existe só um prado fértil. Não existe só uma mulher no mundo." (Creonte)

sábado, 7 de novembro de 2009

EFEITO SAUNA


Mais um pouco de "Sudatorium", a minha peça da sauna. A foto aí de cima foi tirada pelo meu amigo Sugis um pouco antes da apresentação do domingo passado, nas Satyrianas. E eu que achava que só ator fica nervoso antes de entrar em cena - eu, quando atuo, quero que o mundo acabe naqueles cinco minutos anteriores ao início da peça. Percebi que o autor, o dramaturgo, também fica, embora seja uma sensação diferente. Eu estava sentado na escadinha que dá acesso ao palco, vendo o público entrar e só pensava numa coisa: será que eles vão gostar? E não podia fazer mais nada, porque a bola já estava com os atores, agora era com eles. No final, deu tudo certo. Claro, foi uma primeira apresentação. Há muito o que fazer, mexer, criar, corrigir. Mas ficamos, todos, satisfeitos com o resultado. O público, ao que parece, também gostou. Muita gente veio falar comigo depois, dizer o que achou. Outros preferiram escrever. Abaixo, dois comentários interessantes de amigos, que chegaram à minha caixa postal.

"Parabéns pela peça. Levanta questões sobre masculinidade de modo sutil e divertido. Todo mundo elogiou. Abraço!" (Rodrigo Brasil, jornalista e poeta)

"Parabéns pela peça, querido. Adorei! Ela é leve, engraçada, nos faz refletir sobre a responsabilidade pelas nossas escolhas e, de um jeito bem articulado, mostra os aspectos luminosos e sombrios sempre presentes nas relações de amizade. Eu adorei poder adentrar uma sauna cheia de homens (oba! rsrs.) e descobrir que o universo masculino, às vezes tão grotesco na aparência, é também repleto de delicadeza e afetividade. Parabéns! Continue escrevendo. Mande um abraço e os parabéns para o Edu, também. Adorei reencontrar vocês. Beijos." (Majori Claro, escritora)

quinta-feira, 5 de novembro de 2009

UMA DICA PRA QUEM GOSTA DE ESCREVER



Minha grande amiga Adriana Calabró criou uma oficina para quem gosta de escrever e deseja aprimorar sua técnica, ficar mais familiarizado com os vários recursos estilísticos e, ainda, desenvolver sua criatividade. Eu acho que vai ser legal. Conheço a Dri há mais de duas décadas. Sei da sua competência e do seu talento como escritora. É uma das pessoas mais criativas que eu conheço. E, ao contrário do que muita gente pensa, criatividade também se aprende. Claro, a pessoa pode nascer com alguma aptidão para isso. Mas é preciso desenvolvê-la, há técnicas para isso. A Dri domina essa técnicas e vai mostrar isso na sua oficina: como escrever um texto estruturado, a partir das técnicas disponíveis, mas de forma criativa, não amarrada. Mas estou falando muito. Vou deixar que ela mesmo conte um pouco sobre a oficina. Diz aí, Dri:

Seja para aqueles que usam a escrita como instrumento de trabalho, como redatores e jornalistas, seja para os que querem dar vazão ao seu talento literário, a proposta dessa Oficina é oferecer ferramentas para o desenvolvimento de um texto ao mesmo tempo estruturado e criativo. Em dois encontros, os participantes poderão entender o processo e as etapas da escrita e treinar suas capacidades por meio de exercícios práticos. A Oficina de Escrita Criativa Palavra Criada, é ministrada pela escritora, redatora e articulista Adriana Calabró Orabona e tem se mostrado um espaço propício à reflexão e ao debate de idéias. Na literatura, Adriana já lançou 3 livros: Dezamores (Antologia – Sesc/Escrituras), Autobiópsia (mini-contos – Edição de Autor) e Dois Polos (Romance – Escrituras – vencedor da bolsa de literatura do PAC – atual ProAC). Também ganhou prêmios nacionais e internacionais como redatora, dentre eles o Best of Bates International e o Anuário de Criação de São Paulo. Atualmente, é editora-chefe das revistas SJP e Evol Arts e sócia da Expanding Comunicação. Cursou Comunicação na ECA-USP e fez cursos de extensão em Relações Públicas e Marketing na New York University.

Datas: 7 e 14/11 das 10h às 14h
Informações com Camila Rossi – camilarossi@gmail.com ou palavracriada@gmail.com

terça-feira, 3 de novembro de 2009

"TAMO JUNTO"


Minha peça "Sudatorium" - "a da sauna", como já vem sendo chamada - estreou na virada do domingo para a segunda, feriado, nas Satyrianas. Foi um momento mágico para mim. O Teatro do Ator, na Praça Roosevelt, estava totalmente lotado, com mais de100 espectadores - havia até cadeiras extras, que tiveram de ser colocadas para tentar acomodar todo mundo. E, mesmo assim, não deu. Vi gente dando meia volta na fila, quando disseram que os ingressos haviam se esgotado. Amigos ligaram se desculpando por não terem conseguido entrar. Ainda estou digerindo tudo isso. Estou pensando bastante e tenho muita coisa a dizer sobre o que aconteceu e o futuro da peça - mas não será agora. Nesse momento, eu quero apenas agradecer a quatro pessoas fundamentais nessa história: Edu Brisa, Adriano Merlini, Carlos Sobrinho e Edson Aranha. O Edu já é meu parceiro de algum tempo. Fizemos algumas coisas juntos e admiro muito seu trabalho como ator, diretor e dramaturgo. Foi ele quem dirigiu essa montagem de "Sudatorium". O tempo, apertadíssimo, não foi obstáculo para eles. O Edu conseguiu dar forma à peça e, com competência e a habitual generosidade, extraiu o que pôde dos atores. Ah, os atores... Adri, Carlão e Edson - que estão na foto acima, clicada pelo meu amigo Sugis - foram verdadeiros guerreiros. Decoraram o texto em pouco tempo e deram vida aos três personagens - que agora são mais deles do que meus. Tiraram aquelas palavras do papel e as atiraram no palco. Para mim, como dramaturgo, é incrível a sensação de ver/ ouvir aquelas falas que eu escrevi há algum tempo, e que fazem todo sentido para mim, sendo ditas por eles, fazendo sentido para eles também e, finalmente, indo parar nos ouvidos, mentes e corações da plateia - e fazendo sentido para ela também. Ouvi comentários muito bacanas de várias pessoas que assistiram à peça. Agora é pensar para frente. Vamos levar "Sudatorium" para Curitiba, no grande festival de teatro que acontece lá, em março. Depois, vamos colocá-la em cartaz e tentar ficar o máximo de tempo nos palcos em 2010. O time é esse aí. E como o Edu costuma dizer: "Tamo junto!"

sexta-feira, 30 de outubro de 2009

ANIVERSÁRIO + SAUNA


Meus queridos e minhas queridas, hoje é meu aniversário. Nos e-mails que disparei pra galera, escrevi que completo 24 primeveras. Não colou. Fui alvo de chacota. Devia ter arriscado uns 33, 34. Agora, estou dizendo que foi erro de digitação: inverti os dois números. Mas o fato é que tenho um duplo convite para fazer a todos vocês, caríssimos. Hoje à noite, vou receber os amigos e as amigas no Finnegan's Pub (Rua Cristiano Vianna, 358, Pinheiros - esquina com a Rua Artur de Azevedo), a partir das 22h. O bar estará em clima de Halloween, com música ao vivo (pop, rock, indie, glam), gente de preto, etc. Reservei uma mesa grande, no andar de cima, onde é mais tranquilo e dá pra conversar. Portanto, é para gregos e troianos: agito embaixo, chill out em cima. Não paga nada pra entrar, mas paga pra sair. (He he, desculpem, não resisti.) Homem $13; mulher $10. Gostaria muito de ver quem não vejo faz tempo e rever quem está comigo no dia-a-dia. Segundo, minha peça "Sudatorium", a da sauna, foi selecionada para as Satyrianas 2009. Será apresentada no Teatro do Ator (Praça Roosevelt, 172, Centro), no dia 02/11, à 0h30 (virada do domingo para a segunda, feriado). Estão todos convidados. No último post, disse que era de graça. Desculpem, errei. Ou quase: na verdade custa $2 (dois reais). É o valor mínimo. Quem quiser paga mais. É o sistema adotado nas Satyrianas deste ano. O flyer de "Sudatorium" está, mais uma vez, aí em cima. Gosto muito desta foto. Ela é soturna, como é o clima da peça. Espero que seja o começo de uma bela carreira para essa sauna.

Três amigos de muito tempo estão relaxando, suando em bicas e jogando conversa fora. Papo vem, papo vai, e a temperatura começa a subir. Em todos os sentidos. Antigas rusgas reaparecem em meio ao calor. Pequenas frustrações emergem do suadouro. Quarentões, percebem que chegaram à metade de suas vidas. E, de uma hora para outra, querem passar tudo isso a limpo. No meio de uma sauna.

"Sudatorium", de Paulo Cunha
Direção: Edu Brisa
Com Adriano Merlini, Carlos Sobrinho e Edson Aranha
Segunda 02/11, 0h30, virada do domingo para segunda - Nas Satyrianas 2009
Teatro do Ator - Praça Roosevelt, 172, Centro.
R$ 2,00 (valor mínimo). Quem quiser, paga mais.

quarta-feira, 28 de outubro de 2009

SUDATORIUM NAS SATYRIANAS 2009


Três amigos de muito tempo estão relaxando, suando em bicas e jogando conversa fora. Papo vem, papo vai, e a temperatura começa a subir. Em todos os sentidos. Antigas rusgas reaparecem em meio ao calor. Pequenas frustrações emergem do suadouro. Quarentões, percebem que chegaram à metade de suas vidas. E, de uma hora para outra, querem passar tudo isso a limpo. No meio de uma sauna.

Sudatorium, de Paulo Cunha
Direção: Edu Brisa
Com Adriano Merlini, Carlos Sobrinho e Edson Aranha
Segunda 02/11, 0h30, virada do domingo para segunda - Nas Satyrianas 2009
Teatro do Ator - Praça Roosevelt, 172, Centro.
Grátis.

quarta-feira, 21 de outubro de 2009

SOBRE BORTOLOTTO, IPODS, CAMINHADAS, CAIO FERNANDO E UM POUCO DE SOLIDÃO

Costumo ler o blog do Mario Bortolotto (http://atirenodramaturgo.zip.net/). Não o conheço pessoalmente, não sou seu amigo, nunca tomamos umas juntos. Já assisti a umas dez peças dele e devo ter lido umas outras dez. Quando eu estudava teatro no Senac, na turma da noite, a gente costumava matar a aula da sexta-feira para assistir a alguma peça. Fomos a umas três ou quatro do Bortolotto. Lembro que minhas amigas, e minha namorada na época, detestavam. Achavam o texto machista, as atuações fracas, a direção ruim e por aí vai. Concordo em parte. Sempre enxerguei alguma poesia na obra do Bortolotto, em alguns textos mais, em outros menos. E havia ali, pelo menos, uma grande atriz: Fernanda D'Umbra. Mas não era bem disso que eu queria falar. Dizia eu que leio o blog do Bortolotto quase sempre. Tem umas coisas que ele escreve, não tudo, de que eu gosto pra caralho. Talvez porque me identifique com elas. Há algum tempo ele vem escrevendo, quase em todo post, que um de seus prazeres é sentar numa mesa de fundo de bar, e ficar ouvindo um blues no seu mp3. Só ele, a música e uma dose de uísque. Mais ninguém. Pouca gente sabe, acho, mas sou um pouco assim. Sou uma pessoa bastante sociável, mas gosto também de curtir uns momentos sozinhos. Tinha uma época, há uns 20 anos, que eu e minha turma de amigos viajávamos para o Nordeste todo verão. Era sempre lá pelo meio de janeiro, início de fevereiro. Eu sempre dava um jeito de sair uma semana antes, sozinho, e me encontrava com eles depois. Gostava de passar um tempo sozinho. Nessas horas, minhas duas únicas companhias eram o rock e a cerveja. Adorava caminhar pelas praias, com uma latinha na mão e o walkman no bolso do calção. Andava quilômetros. Antes de sair de São Paulo, passava no supermercado e comprava um monte de pilhas alcalinas, que custavam bem mais que as comuns, mas valiam o investimento. Meu walkman era aquele tijolo amarelo, da Sony, que podia entrar na água - era o que diziam, eu nunca testei. Anos depois, numa viagem à praia, na casa do meu grande brother Calabró, o xarope do Cesinha voltou totalmente bêbado da balada e vomitou em cima do walkman. Foi o fim dele. E, por coincidência, era o início da era do CD. Tanto que, semanas depois, comprei meu primeiro diskman, também da Sony. Isso foi por volta de 1991, 92. Dois anos depois, entrei na faculdade de jornalismo, na Cásper Líbero, e esse diskman se tornou o meu companheiro de andarilhagem. Era comum, nesta época, a gente ficar tomando umas na "prainha" da Paulista até fechar o último bar. Era bacana: os bares iam fechando e a gente ia pulando para o do lado, que ainda estava aberto. Meu amigo Paulo Sales, que costuma ler esta bagaça e que tem um puta blog legal (http://paradiseduluoz.blogspot.com/), era um dos que, invariavelmente, se fazia presente. Quando a gente decidia, finalmente, ir embora já não tinha mais ônibus, nem metrô. Eu adorava: sacava meu diskman e saia andando rumo a Pinheiros, onde ainda moro. Às vezes, voltava conversando com a minha amiga Mari, que morava perto de mim, e o diskman não era necessário. Mas era raro. O normal era voltar embalado pelo rock. Aquela época ouvia muito britpop, madchester. Era Oasis, blur, Radiohead, James, Inspiral Carpets, Charlatans, Stone Roses, Happy Mondays, Ride, vai por aí. Passei os quatro anos da faculdade assim. Isso se repetiu quando virei correspondente em Paris e, depois, nos dois anos que passei em Tóquio. Minha rotina era andar, andar pelas ruas desconhecidas, muitas vezes escuras e desertas, raramente perigosas (embora misteriosas), com uma cerveja na mão e sons furiosos saindo dos fones de ouvido. De uma certa forma, a música que eu ouvia refletia o que eu sentia - Oasis ou blur na euforia, Radiohead ou Verve nas horas tristes. Aí, na virada do século surgiu o MP3. Quando comprei meu iPod, demorei a compreender a possibilidade de andar com toda (toda mesmo) minha discografia a tiracolo. Demorei uns dois meses para baixar todos os meus quase 2 mil CDs para aquela caixinha branca que cabia no meu bolso. Eram dias e dias de música concentrados num único dispositivo, à minha inteira disposição.
Desculpem, eu devia ter avisado antes: este é um daqueles posts enormes, que blogueiros costumam escrever quando não têm sono, como é o meu caso agora. Continuando, o MP3 resolveu um grande problema que havia antes de sua existência, que era escolher o cassete ou o CD a colocar antes de sair de casa. Não havia mais o quê escolher - era toda uma parede de CDs para ouvir quando eu quisesse. Mas eu falava de solidão e agora me veio na cabeça um conto do Caio Fernando Abreu, o mais lindo de todos os que eu já li dele. Chama-se "Além do Ponto" e é do livro "Morangos Mofados". Fala de andar bêbado por ruas desertas, sob a chuva, à procura de algo que já se sabe que não vai encontrar. É com um trecho desse conto que eu acrescento alguma beleza neste post sem pé nem cabeça.

"Chovia sempre e eu custei para conseguir me levantar daquela poça de lama, chegava num ponto, eu voltava ao ponto, em que era necessário um esforço muito grande, era preciso um esforço tão terrível que precisei sorrir mais sozinho e inventar mais um pouco, aquecendo meu segredo, e dei alguns passos, mas como se faz? me perguntei, como se faz isso de colocar um pé após o outro, equilibrando a cabeça sobre os ombros, mantendo ereta a coluna vertebral, desaprendia, não era quase nada, eu, mantido apenas por aquele fio invisível ligado à minha cabeça, agora tão próximo que se quisesse eu poderia imaginar alguma coisa como um zumbido eletrônico saindo da cabeça dele até chegar na minha, mas como se faz? eu reaprendia e inventava sempre, sempre em direção a ele, para chegar inteiro, os pedaços de mim todos misturados que ele disporia sem pressa, como quem brinca com um quebra-cabeça para formar que castelo, que bosque, que verme ou deus, eu não sabia, mas ia indo pela chuva porque esse era meu único sentido, meu único destino: bater naquela porta escura onde eu batia agora. E bati, e bati outra vez, e tornei a bater, e continuei batendo sem me importar que as pessoas na rua parassem para olhar, eu quis chamá-lo, mas tinha esquecido seu nome, se é que alguma vez o soube, se é que ele teve um dia, talvez eu tivesse febre, tudo ficara muito confuso, idéias misturadas, tremores, água de chuva e lama e conhaque no meu corpo sujo gasto exausto batendo feito louco naquela porta que não abria, era tudo um engano, eu continuava batendo e continuava chovendo sem parar, mas eu não ia mais indo por dentro da chuva, pelo meio da cidade, eu só estava parado naquela porta fazia muito tempo, depois do ponto, tão escuro agora que eu não conseguiria nunca mais encontrar o caminho de volta, nem tentar outra coisa, outra ação, outro gesto além de continuar batendo batendo batendo batendo batendo batendo batendo batendo batendo batendo batendo batendo batendo nesta porta que não abre nunca."

terça-feira, 20 de outubro de 2009

SATYRIANAS COM SAUNA

Minha peça "Sudatorium" foi selecionada para a Satyrianas 2009. Para quem ainda não conhece, a Satyrianas é uma grande festa de teatro, com 78 horas ininterruptas (de 30/10 a 02/11) de peças, minicenas e performances, que acontece na Praça Roosevelt e arredores, com apoio da Secretaria Municipal de Cultura. "Sudatorium", mais conhecida como "a peça da sauna", foi escrita no começo deste ano. Quero aproveitar e agradecer a Roberto Alvim, que acompanhou todo o processo de escritura, e deu toques pertinentes e esclarecedores. Em maio, o texto recebeu uma leitura encenada, no Club Noir, e repercutiu muito bem. Eu mesmo dirigi e convidei atores amigos meus, que tiraram as palavras do papel e as lançaram no palco. Também agradeço a eles - em especial ao meu brother Fabio Takeo, que, com seu talento e dedicação extraordinários, deu ao personagem Aldo uma dimensão que ele não tinha. Mas agora, para a apresentação na Satyrianas, tudo mudou. Primeiro, decidi passar a direção para mãos mais experientes e competentes que as minhas - chamei meu velho parceiro Edu Brisa. E, por conta de compromissos de trabalho dos atores que fizeram a leitura, tive que mudar todo o elenco. Pelo que conheço dos novos atores - Adriano Merlini, Carlos Sobrinho e Edson Aranha -, a peça tem tudo para dar certo, mais uma vez. Adriano é meu companheiro de cena na peça ("Destinos") que estamos ensaiando com o Grupo XIX. Trabalha também com o Folias, já o vi em cena em "Querô" e gosto muito do seu trabalho. Carlão também está comigo no XIX, sei o quanto o cara é disciplinado e curte o que faz - e faz bem. O Edson também fez "Querô" e me foi apresentado pelo Adriano. Gostei muito da sua atuação na peça do Folias. Então, o que quero dizer é que estou tranquilo quanto à trupe que vai levantar "Sudatorium". E, antes mesmo do primeiro ensaio, que é amanhã, já agradeço a todos os que estão no barco. Tenho certeza que será um processo muito bacana, apesar de curto. É, porque a peça tem que estar de pé em duas semanas (!), já que a apresentação é na virada do domingo 1 para a segunda 2 de novembro, à 0h30. Feriado? Bobagem. Quero ver todo mundo lá! Será no Teatro do Ator, na Praça Roosevelt, 172. Na semana que vem, falo de novo da peça, de como estão os ensaios, e coloco aqui um flyer bem bacana, com os créditos, o local, o horário e tudo mais que todo mundo quer saber. Abaixo, um pedacinho do texto de descrição da peça, que foi encaminhado à comissão de seleção da Satyrianas:

Três amigos de muito tempo estão relaxando, suando em bicas e jogando conversa fora. Papo vem, papo vai, e a temperatura começa a subir. Em todos os sentidos. Antigas rusgas reaparecem em meio ao calor. Pequenas frustrações emergem do suadouro. Quarentões, percebem que chegaram à metade de suas vidas. E, de uma hora para outra, querem passar tudo isso a limpo. No meio de uma sauna.