
A imagem aí em cima é talvez minha lembrança mais recorrente do tempo em que vivi no Japão. Dia sim, dia não, ela reaparece na minha cabeça. É uma gravura ukiyo-e, do Hokusai. Sou capaz de ficar olhando horas para ela, como fiz da primeira vez em que a vi, num museu em Tóquio. Isso faz 10 anos, e ela continua me arrebatando, levando meu pensamento para (bem) longe daqui. Criado há mais de 300 anos, o ukiyo-e é uma das principais formas de expressão da cultura japonesa. Tem poesia até no nome. A tradução literal da palavra é "figuras do mundo flutuante". Compilada do vocabulário budista, indica uma visão idealizada da vida e do comportamento humano. Pra mim, passa a idéia de efemeridade, como se os temas retratados vagassem no tempo e no espaço. Como se a vida não fosse nada mais do que um sonho passageiro. No ano passado, eu naveguei por águas turbulentas como as da gravura do Hokusai. Nem tudo de mim se salvou, mas continuo aqui. Dois mil e nove, ao que parece, me fará cruzar mares não menos arriscados, mas muito mais convidativos. Tá bom assim. Eu nunca fui de calmaria mesmo.