segunda-feira, 6 de julho de 2009

SERGIO ROVERI

Às vezes, a gente se depara com um texto que parece que foi escrito sob encomenda para nós. Aconteceu isso hoje. Gosto de ler blogs, de sair pela rede fuçando o que existe de novo, de original, de bem escrito. Há os meus preferidos, os que leio quase diariamente. O do Sergio Roveri é um deles. Ele escreve como poucos. É jornalista, foi meu colega de redação no Jornal da Tarde uns 10 anos atrás. Nesta mesma época, tornou-se dramaturgo. É dos melhores da sua geração, basta ver "Encontro das águas", "Andaime" e "Abre as asas sobre nós". Já tem no currículo um Prêmio Shell de dramaturgia. Queria ter escrito o texto abaixo, mas quem escreveu foi o Sergio. É simplesmente lindo. Peço permissão para publicar um trecho aqui. Leiam o blog do Sergio (http://roveriblog.blogspot.com/). Assistam a suas peças. Vale a pena.

"Já revelei aqui que faço terapia há muitos anos e se tivesse de resumir em poucas palavras o que me empurrou para o divã diria que foi justamente a vontade de desaparecer na multidão, de conduzir os meus desejos e anseios na direção das grandes massas, de implodir em mim tudo aquilo que, a princípio, me distanciava da grande conduta social que ensina que crescemos para casar, ter filhos, conservar num emprego fixo, buscar algum tipo de prosperidade e segurança na vida profissional, engolir a rotina em doses diárias e assegurar-se de que a velhice jamais nos encontrará desprevenidos.

Tente fazer de mim uma outra pessoa, talvez eu tenha dito ao meu analista em nosso primeiro encontro. Ou, na medida do possível, faça de mim alguém muito parecido com todo mundo, inclusive na infelicidade. Me enquadre, eu devo ter solicitado. Diante de um pedido tão impositivo, percebo hoje que meu terapeuta precisou de muito tempo e de muito jogo de cintura para me desobedecer sem que eu me desse conta. Precisou de muito tempo para me mostrar que eu só teria algum valor se aprendesse a cultivar tudo aquilo em que eu queria dar fim. Que eu só seria reconhecido como pessoa, principalmente por mim mesmo, se eu percebesse que a diferença que tanto me incomodava era a minha digital neste mundo. Que aquilo que me fazia distinto, e por isso mesmo desconfortável em algumas situações e deslocado na maioria delas, era o que precisava ser cuidadosamente lapidado para se converter em fonte de prazer e alegria. E que se meu desejo às vezes resolvia cortar caminho por algum atalho escuro, que ótimo: era ali que eu seria apresentado à surpresa e ao acaso da vida.

Ser o que somos é algo que vamos aprendendo aos poucos. Não costuma ser fácil e muito menos indolor. Mas a alternativa a isso pode ser ainda pior: é a gente se transformar numa fotografia desfocada e arruinada pelo tempo, cujas feições não serão reconhecidas nem por nós mesmos daqui a pouco."

Nenhum comentário: