sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

BETO BEATLE*


Beto tinha seis anos de idade quando conheceu os Beatles, no ano passado. Logo de cara, o menino ficou fascinado pela música que descobriu, sem querer, ao percorrer as estações do rádio de seu pai. Passeando pelo dial, um dia Beto sintonizou a BBC de Londres, em ondas curtas, e ouviu algo que nunca acreditara ouvir – e que, provavelmente, irá mudar sua vida. Morador do bairro Paulicéia, próximo à Santana, na zona norte de São Paulo, Beto e seus vizinhos não conseguem mais brincar de outra coisa: são agora os "Beatles do Brasil". Na rua onde mora com a família, bem em frente à sua casa, vivem dois amigos, Claudio e Antonio Carlos. Claudio tem a mesma idade de Beto, e Antonio Carlos tem doze anos – o mesmo que Aily, irmã de Beto.
Todas as tardes, as quatro crianças se reúnem na casa de Claudio e Antonio Carlos. E, então, começa a mágica, uma brincadeira lúdica, possível apenas no mundo dos pequenos. A cena é a seguinte: Antonio Carlos é Ringo Starr. Sua "bateria" é composta de um pufe, algumas caixas de papelão, uma lata de biscoitos Piraquê e algumas tampas de panela – que fazem as vezes de pratos. Claudio é John Lennon. Aily, Paul McCartney. E Beto, George Harrison. Os três – John, Paul e George – empunham suas "guitarras", que são, na verdade, cabos de vassouras com barbantes amarrados às pontas, imitando as correias. Ficam prontos, atentos, apenas esperando que a BBC toque a próxima música dos Beatles. Não é preciso dizer que, nesses tempos em que a beatlemania tomou conta do país, é uma música atrás da outra. E então começa a performance das crianças. Imitam os Beatles? "Nós somos os Beatles!", gritam, em uníssono. Beto, como George, é o solista da banda. Quando chega o momento do solo, só ele – e mais ninguém – pode fazer movimentos na "guitarra". Se algum outro fizer, a apresentação termina imediatamente, seguida do choro escandaloso do "solista". Como é o caçula do grupo, todos aceitam e mantêm-se nas "funções" preestabelecidas.
Beto estuda no Lar Escola Santana, que fica no fim da rua onde mora. Sua rotina é ir à aula de manhã, voltar na hora do almoço, e preparar-se ansiosamente para as "apresentações" da banda, que acontecem sempre à tarde. É assim todos os dias da semana. Há poucos meses, começou a aprender violão. Era inevitável. A família apóia - principalmente sua mãe, que agora pode contar novamente com as vassouras cumprindo suas funções normais de limpeza da casa. Beto já começa a praticar no instrumento, ouvindo e tentando tirar as duas músicas do único single dos Beatles lançado no Brasil até agora, "Please Please Me" e "From Me To You".
As ondas curtas da BBC atraem também os mais velhos. Os pais e tios de Beto costumam passar um bom tempo na frente do rádio, tentando traduzir alguma coisa do que ouvem. Não é muito fácil, pois não são muito familiarizados com o inglês e, além disso, os locutores britânicos falam rápido demais. Juntamente com as revistas sobre os Beatles que começam a pipocar nas bancas nos últimos meses, é a única forma de saber das notícias sobre a banda.
Embora pertençam a uma família de classe média baixa, os pais do pequeno Beto procuram atender como podem todas as "reivindicações beatlemaníacas" do filho. "Reivindicações que se transformam em 'esperneações' sem fim, caso não sejam atendidas", conta a mãe de Beto, com ar brincalhão. E ela se emociona ao lembrar do primeiro corte de cabelo beatle do filho ("com aquela franjinha na altura das sobrancelhas"), de seu lindo sorriso de menino quando ganhou no Natal passado sua beatle-botinha com salto "carrapeta", da vitrolinha portátil tocando Beatles sem parar, do álbum de figurinhas, e, principalmente, do amor que Beto começou a nutrir por esses quatro rapazes de Liverpool. Um amor que deverá permanecer, incondicionalmente.

*O texto acima é uma singela homenagem ao meu amigo e mestre Beto Iannicelli que, desde 2004, vem me ensinando a me relacionar com a música de um jeito diferente - a ouvi-la de uma forma vertical. Sua cartilha é a obra dos Beatles, que Beto conhece como poucos no mundo. Beto é de 1957, dez anos mais velho que eu. Quando a beatlemania chegou ao Brasil, em 1964, ele tinha sete anos. O texto acima é uma matéria fictícia, imaginária, publicada naquela época em qualquer jornal paulistano, e mostra como um menino descobriu tão cedo a magia de se apaixonar por uma banda de rock - no caso, a maior de todas, em todos os tempos e lugares. Beto se formou em violão clássico ainda adolescente e, depois, tornou-se maestro. Como músico e arranjador, trabalhou com todos os bambas da MPB nas décadas de setenta e oitenta. Há dez anos, dedica-se a transmitir a imensidão do seu conhecimento musical a uma centena de alunos, que, como eu, são seus fiéis seguidores. E tudo começou solando num cabo de vassoura ao som de "Please Please Me", "From Me To You", "I Wanna Hold Your Hand"...

Um comentário:

Majori disse...

Aqui não é o facebook, mas eu curti o texto. E o Beto, que eu não conheço, mas adoraria... Beijo!